A PRÓXIMA PRAGA DA HUMANIDADE
Desloquei-me ao Centro Hospitalar Conde S. Januário para efectuar um raio-x no serviço de imagiologia daquele unidade. Foi célere e tecnicamente exemplar. Foi igualmente frio e distante. Não me estou a queixar até porque não penei horas a fio para poder sentar o traseiro numa cadeira e ser invadido por todos os poros com uma radiação invisível que, em elevadas doses, me transforma as células em inimigas umas das outras.
Ali sentado, durante os 30 segundos que levou a máquina a vomitar radiação, numa posição algo ridícula, ocorreu-me uma visão futurista, própria de um filme. Um dia, entraremos numa sala escura, seremos orientados para o seu centro e ali sós, seremos varridos por uma luz ténue e indolor. Meros segundos. O nosso corpo, músculos, ossos, órgãos, todos escarrapachados num computador, reconstruídos em todas a suas dimensões, analisados e escrutinados com uma série de parâmetros e algoritmos. As substâncias detectadas pela sonda na corrente sanguínea, todas listadas. Diagnóstico final dado pelo computador. Os médicos farão ainda parte do processo para orientar o tratamento e o seguimento do mesmo. Que visão. Saberemos o que temos, num ápice. Maravilhoso e aterrador ao mesmo tempo. Saberemos rápido demais. Em Série.
Cai em mim, voltei à sala, e à cadeira onde estava sentado. A máquina deteve-se. Esperei pouco tempo no corredor até ser mandado embora. Novamente, rápido e técnico mas frio e distante. Senti ali mesmo que o factor humano está castigado pela repetição monótona de actos que já não exigem desafio, criatividade e engenho. E como somos seres vivos emotivos passamos a sentir que não vale a pena sorrir para ninguém ou ser simpático com o doente de muletas ou a pessoa que entra calada e sai muda porque vive uma vida miserável.
Dar um sorriso a quem já não pode com o seu próprio corpo, que transporta a alma ferida ou para quem não sentir dor em cada minuto da sua vida, faz parte do passado, faz maravilhas para alguém que acha que já cá não anda a fazer nada. Não diz, mas sente-se. Vê-se nos olhos. Já está, rápido e tecnicamente perfeito mas humano.
Fui-me embora feliz por não ter de ser ainda velho ou não ter uma doença que me obrigue a encarar aquelas pessoas mais tempo do que o absolutamente necessário. Se calhar, ir ao hospital não é apenas execrável porque estamos doentes, mas porque encontraremos inevitavelmente outros ser humanos, secos e frios. Já basta o ambiente descorado e salubre, com aromas de anti-séptico, que até mete asco!
Pasme-se, a senhora do guiché onde se carimbam os papéis deu 20 sorrisos rasgados a todos os 20 velhinhos que estavam na fila. Era só para carimbar o papel, mas conversavam com ela um pouco e lá iam a sorrir. Nem tudo está perdido. Afinal também lá vive o sentimento e que viva muitos anos e se transmita como uma pandemia, e infecte todos os seres humanos do planeta. Já alguma vez vos ocorreu que uma doença pode ser boa? Aqui está uma com sintomas: sorrisos, boa disposição, olhar nos olhos do próximo e dizer uma palavra simpática. A próxima praga da humanidade!
Ali sentado, durante os 30 segundos que levou a máquina a vomitar radiação, numa posição algo ridícula, ocorreu-me uma visão futurista, própria de um filme. Um dia, entraremos numa sala escura, seremos orientados para o seu centro e ali sós, seremos varridos por uma luz ténue e indolor. Meros segundos. O nosso corpo, músculos, ossos, órgãos, todos escarrapachados num computador, reconstruídos em todas a suas dimensões, analisados e escrutinados com uma série de parâmetros e algoritmos. As substâncias detectadas pela sonda na corrente sanguínea, todas listadas. Diagnóstico final dado pelo computador. Os médicos farão ainda parte do processo para orientar o tratamento e o seguimento do mesmo. Que visão. Saberemos o que temos, num ápice. Maravilhoso e aterrador ao mesmo tempo. Saberemos rápido demais. Em Série.
Cai em mim, voltei à sala, e à cadeira onde estava sentado. A máquina deteve-se. Esperei pouco tempo no corredor até ser mandado embora. Novamente, rápido e técnico mas frio e distante. Senti ali mesmo que o factor humano está castigado pela repetição monótona de actos que já não exigem desafio, criatividade e engenho. E como somos seres vivos emotivos passamos a sentir que não vale a pena sorrir para ninguém ou ser simpático com o doente de muletas ou a pessoa que entra calada e sai muda porque vive uma vida miserável.
Dar um sorriso a quem já não pode com o seu próprio corpo, que transporta a alma ferida ou para quem não sentir dor em cada minuto da sua vida, faz parte do passado, faz maravilhas para alguém que acha que já cá não anda a fazer nada. Não diz, mas sente-se. Vê-se nos olhos. Já está, rápido e tecnicamente perfeito mas humano.
Fui-me embora feliz por não ter de ser ainda velho ou não ter uma doença que me obrigue a encarar aquelas pessoas mais tempo do que o absolutamente necessário. Se calhar, ir ao hospital não é apenas execrável porque estamos doentes, mas porque encontraremos inevitavelmente outros ser humanos, secos e frios. Já basta o ambiente descorado e salubre, com aromas de anti-séptico, que até mete asco!
Pasme-se, a senhora do guiché onde se carimbam os papéis deu 20 sorrisos rasgados a todos os 20 velhinhos que estavam na fila. Era só para carimbar o papel, mas conversavam com ela um pouco e lá iam a sorrir. Nem tudo está perdido. Afinal também lá vive o sentimento e que viva muitos anos e se transmita como uma pandemia, e infecte todos os seres humanos do planeta. Já alguma vez vos ocorreu que uma doença pode ser boa? Aqui está uma com sintomas: sorrisos, boa disposição, olhar nos olhos do próximo e dizer uma palavra simpática. A próxima praga da humanidade!