BASTA DE ZURROS!
Viewed as an art, the success of education is almost impossible
since the essential conditions of success are beyond our control.
Our efforts may bring us within sight of the goal,
but fortune must favour us if we are to reach it.
(Jean Jacques Rousseau, Emile)
Vivemos tempos de mudança, de reforma e de aselhice, tudo junto. Falo mais especificamente da educação pública em Portugal e na desacreditação do profissional da docência, ao nível dos ciclos básico e secundário, pelos cabalistas tecnocratas do governo, mais precisamente, do actual ministério da educação, na figura da sua ministra.
Logo que se ocupou do seu gabinete e instalou nas direcções os respectivos comparsas ou devassos da política, a Doutora Maria de Lurdes Rodrigues, socióloga, e sua equipa resolveu apurar responsabilidades do que herdou e, como costumeiro, apontou baterias para uma das figuras da história mal contada da educação portuguesa, a figura do docente, denegrindo criminosamente e de imediato, tratando “abaixo de cão” todos os docentes, indiscriminadamente, de forma impune. Propôs então muitas novidades, como costumeiro com cada novo governo, traduzidas em medidas que se revelaram uma mescla de reformas e aberrações.
Por um lado continua teimosamente a querer ocupar-se do concurso para colocação de docentes em estabelecimentos de ensino públicos do território continental português, informatizado, dado que estamos no século XXI, produzindo com isso inúmeros erros de colocação materializados no favorecimento indevido de uns para humilhação de outros. Depois foi o fiasco dos exames nacionais com erros imperdoáveis para um ministério que se diz detentor da verdade suprema da educação nacional. Agora o conto do estatuto do docente. Desde quando o estatuto dos professores condiciona exclusivamente a qualidade de ensino e vice-versa? Enquanto se mantiver esta ilusão, nada mudará para melhor. Com isto quero reconhecer que o sistema não é perfeito mas apenas que este não é o caminho. A questão da avaliação dos professores é a meu ver fundamental, mas que pode resvalar em resultados injustos e destorcidos, se não for bem estruturada, baseada em critérios quantificáveis e efectuada de forma científica, onde não há lugar para tecnocratas e opiniões avulsas.
Dado isto, proponho que se façam as mesmas avaliações para os médicos, gestores, e outros ditos profissionais públicos. Mas porque acho que isto nunca iria acontecer? Talvez porque estes profissionais defendem bem os seus interesses com lobbies impenetráveis aos tentáculos governamentais. Quanto aos professores, que vêem os seus direitos desmembrados por 14 sindicatos descoordenados e conjuntamente ineficazes na defesa dos seus direitos à mesa das negociações com o governo, ficam-se pelo ruído de fundo. Unidos numa ordem dos professores teriam oportunidade para não só serem ouvidos como recuperarem o reconhecimento merecido entre os profissionais públicos.
Penso que será o momento de esclarecer aos mais economicistas dos comentadores e alvitreiros de ocasião que a educação gasta dinheiro, ponto final. Assim como a arte, a cultura. Verdade seja dita que se gasta muito dinheiro e os resultados não são os melhores, dizem os especialistas da estatística. Reveja-se então a distribuição do dinheiro e que esta seja mais rigorosa e justificada. Mas a confusão é que educação não é arte, ou pelo menos educar não é uma arte, assim como medicina não é arte. Ensinar utiliza técnicas, metodologia e conhecimentos com bases científicas necessariamente relacionadas com o conteúdo leccionado e implementadas numa realidade próxima dos alunos, literalmente, cara a cara.
Estimular a competitividade no contexto de uma sala de aula é em si um erro. Se ela existir surge sempre de forma natural entre os alunos devendo sofrer intervenção reguladora por parte do docente. A competição faz-se no mercado de trabalho. A educação não é o mercado de trabalho e deve colher frutos não pela competição mas com base na criação de uma vontade de aprender mais e mais, de construir-se através da satisfação pessoal de dar o seu melhor independentemente do resultado e do facto de encontrar interesses renovados não só por si e pela escola mas em última instância pelo mundo.
Pois esta realidade falta nos gabinetes e salas do ministério e direcções regionais de educação que, valendo-se de ideias reformistas, porque está sempre tudo mal, atropelam direitos, atacam estatutos, matam paixões, destroem profissionais, impunemente. De uma vez por todas acertemos agulhas: a educação em Portugal não é exclusiva dos docentes profissionais. Conselho executivo, auxiliares de acção educativa, psicólogos, professores auxiliares, direcções regionais de educação, secretarias de estado e ministério e em última instância o primeiro-ministro mas também os Pais, todos desempenham um papel. Os pais, principais interessados na felicidade dos seus filhos-alunos deveriam ser responsabilizados e envolver-se mais pelos seus filhos e pela sua vida escolar. Consequência desse afastamento cria alarvidades do estilo: os pais possam registar a sua opinião na avaliação dos docentes, quando não têm competência para o fazer, que dirigentes ornejem que um professor experiente pode substituir um psicólogo quando este não existe, revelando um analfabetismo educativo alarmante e preocupante, entre outras.
Para bode expiatório e lavagem de todos os pecados de sucessivos ministérios que não têm sabido actuar de forma concertada com uma política de fundo para a educação, crucificaram a figura do docente, onde incluem os profissionalizados e os não profissionalizados ou especialistas, outra injustiça, atribuindo-lhe todos os pecados e podridão de um sistema educativo, constituído por múltiplos outros agentes. Será sempre mais fácil dizer que quem dá a cara é quem tem a culpa, quando o que se faz nos gabinetes e por todos os intervenientes da estrutura educativa contribui para o desenlace final. Como culpar uma única peça na engrenagem da educação pelo falhanço de uma reforma ou pelo insucesso escolar? O sistema não muda apenas abatendo professores de forma cega, muda com políticas mais próximas da realidade das escolas, dos seus bons profissionais que todos os dias se esforçam por dar aos nossos filhos o melhor de si.
Que os alunos estejam ocupados a maior parte do dia evitando que afundem nas malhas do alheio, sejam vítimas de sequestro, violência e outras barbaridades é igualmente o meu desejo enquanto professor, não praticante, e pai. Mas a questão é saber se esta ocupação vem acompanhada de reconhecimento dos agentes educativos pelo seu esforço e pelo envolvimento efectivo dos pais no tempo com que estão com os filhos. Nada funciona na escola se em casa não tiver eco e continuidade. De uma vez por todas, os pais devem envolver-se com os filhos na sua vivência escolar, participar da mesma através dos mecanismos legais, administrativos e lúdicos à sua disposição.
Já basta todos os problemas que a escola tem de resolver por si, para além dos criados por estas políticas cegas produzidas à secretária dos gabinetes, em bonitos documentos teóricos que na realidade mais não fazem senão denegrir mais a imagem do docente. Basta de transformar a escola num tribunal e os professores em juízes e advogados das partes sempre que acontecem incidentes na escola, basta de atribuir aos professores funções psicólogo, basta de colocar professores nos conselhos executivos sem formação em gestão escolar, basta de programas das disciplinas desadequados, gigantesco e sem sequência lógica, basta de turmas gigantes onde é impossível dar a atenção devida a todos os alunos, basta de pedir mais e mais aos professores e não lhes dar nem remuneração condizente nem reconhecimento pelo esforço pessoal do dia-a-dia escolar, basta da falta de segurança nas escolas quando a polícia deveria manter dispositivos de segurança físicos à porta da escola. Violência nas escolas, roubos, desautoridade, abuso, absentismo, bullying, problemas psicológicos e afectivos e crimes são algumas das angústias com que os agentes educativos se debatem no seu quotidiano profissional, questões sem resposta por parte do governo que apenas direcciona a responsabilidade global para uma figura educativa. Injusto e pecaminoso.
Ao invés de denegrir continuamente a imagem do professor deveria o governo celebrar o dia do professor e olhar para ele como um aliado especial e instruído nos mecanismos da aprendizagem e desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens adultos portugueses. Mas não se equivoquem: os professores não substituem os pais dos seus alunos e enquanto continuarmos nesta ilusão mentirosa nem o maior especialista em educação mundial conseguirá mudar o sistema educativo português. O que não consigo também conceber é como uma figura como a do Secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, que já foi professor do ensino secundário com formação em Biologia e que detém um master em educação, compactua com esta política destrutiva. Decerto que ele, um pedagogo, daria melhor ministro que uma socióloga.
Basta de zurros. Basta de leigos a gerir os nossos destinos. Basta.